domingo, 7 de setembro de 2008

VIGÉSIMO PRIMEIRO ANDAR: LIDIA MARTINEZ


No elevador como um grilo

Entrei no elevador e ali fiquei como um grilo
à espera que me fechassem a gaiola.
Alguém chamou a caixa e fui como uma pena,
embalada pelo baloiço, até ao terceiro andar
Fechei os olhos, a porta abriu-se, fechou-se,
mas ninguém entrou.
Senti que o elevador partia novamente
e aguardei em silêncio o acordar deste dia incerto.
Conhecia-lhe todos os soluços, incertezas e safanões.
Tanto fazia subir ou descer, era sempre o mesmo barulho,
o cheiro azedo, indefinido.
Perfurava o chão ou o céu, indistintamente
e eu aveludava a língua sonhando que era Alice
descendo à toca do coelho branco,
e que em vez de chegar atrazada ao emprego,
ia decrescer até passar pelo buraco de agulha,
afim de pesquisar no ouvido do meu amor impreciso,
abaunilhado, ajornado e mudo.
Suspirava dentro dele e subia até ao cerebro marcando
as letras e o nome que me tinham dado.
Fazia do seu corpo um caminho estreito, o sangue propulsava-me,
ia e vinha como este elevador desatinado.
-«Vai para o sétimo andar?»
Acordei em sobressalto e respondi-lhe que sim, claro,
o céu estaria por perto, não?
O rapaz riu-se e arranjou o colarinho.
Vi a migalha fina que lhe picava o beiço... tem uma...
E ele, desculpe, comi depressa... eu sei, também acordei tarde...
Ao sair empurrei-lhe o braço, sem querer.

Lidia, Paris.
7 de Setembro 2008