segunda-feira, 22 de setembro de 2008

VIGÉSIMO TERCEIRO ANDAR: Gasolina 2

Os estranhos

Fez-lhe um gesto com o braço dando-lhe a primazia de passagem. Carregaram à vez nos botões marcando o piso onde sairíam. Ela ficou próximo da porta, ele encostado ao aço que revestía as paredes do elevador. Ela subía com o olhar os andares a passarem devagar. Ele subía com o olhar os saltos finos e a linha preta das meias que desaparecía sob a saia travada.

Um solavanco. O elevador estacou. Depois desceu um pouco com um salto. Rangeu. Imóvel.

Ela carregou várias vezes no botão do andar onde quería saír. Ele aproximou-se. Repetiu o gesto dela para o número que marcava a saída dele. Ela carregou na saída. Depois rápido e quase furiosa calcou todos os números. Ele carregou no botão vermelho e o alarme gritou. Ela olhou para o homem, ele olhou-a confiante da sua acção. Silêncio. Ela encostou o dedo no alarme e carregou com força prolongando o som fino de campaínha.

O elevador deu mais um soluço. Eles recuaram e encostaram-se aos cantos. Depois parou. Eles olharam-se. Aproximaram-se da porta e em uníssono gritaram socorro, bateram com as palmas com força no aço ressoando um som metálico frio. Silêncio.

Ele acocorou-se num canto, é esperar, disse. Ela olhou-o e sussurrou, ninguém sabe que estamos aqui fechados. Alguém há-de vir, acalmou-a, mas quando, perguntou ela, não deve demorar, não se enerve, não gosto de espaços fechados, claustrofobia, não, não, mas não gosto.

Alarme. Silêncio. Alarme, alarme, alarme, a campainha perdeu a força e pareceu soar como um besouro cansado.

E agora? Esperemos, melhor sentar-se, não quero. Silêncio.

Ela escorregou pela parede lisa de aço, deitou as pernas de lado, os saltos a afiarem-se no tapete que cobría o fundo do elevador. Pousou uma mão sobre as pernas vestidas de negro. Costuma vir aqui, não, é a 1ª vez, eu também, vinha por causa de uma entrevista, ah, pois. Está abafado, sim, é normal, espero que apareça alguém antes de ficarmos sem ar, ora isso não há-de acontecer, acha, acho, já não sei, estamos aqui há muito tempo, nem tanto, apenas 10m, só? Parece uma eternidade, pois, acontece quando nos tiram a liberdade, quando nos prendem contra vontade, como sabe, já esteve preso, não, é uma forma de dizer, que comparação, mas é a realidade, você está presa, se não estivesse tinha ido à sua vida, mas não é o mesmo, acaba por ser, você é sempre assim, assim como, teimoso, só com mulheres claustrofóbicas, não seja estupido, está a perder a pose, você conhece-me de algum lado para me dizer isso, tirei-lhe a pinta assim que entrámos no elevador, o quê, topei-a logo com essas meias com esse risco atrás muito direito, deve ter a mania que é boa, você é um tarado, se calhar sou e até sou capaz de a comer, aos pedacinhos, bocadinho a bocadinho...

Ela levantou-se e gritou desesperadamente, deu murros na porta, carregou todos os botões.

Não seja patética, se a quisesse atacar já o tería feito, foi você que parou o elevador não foi, fez de propósito, sim, sim, o que quiser. Sente-se, poupe-se, poupe-nos o ar.

Ela enrolou-se ao canto, tapou o rosto com ambas mãos e chorou aos soluços. Vá lá, não fique assim, daqui a nada tiram-nos daqui, deixe-me. Escondeu a face entre os joelhos e fungou. Ele aproximou-se dela e pôs-lhe a mão sobre o ombro, depois sobre os cabelos, ela sossegou, levantou a cara, a maquilhagem deslizava em fios negros até pingar pelo queixo. Ele puxou do seu lenço e enxugou-lhe as lágrimas, depois molhou uma ponta na sua saliva e limpou-lhe os borrões à volta dos olhos. Ela saltou-lhe para o pescoço e abraçou-o irrompendo de novo no choro. Ele apertou-a. Depois embalou-a ao de leve, ciciou-lhe palavras de conforto, estou aqui, estou aqui.

A luz desapareceu por completo, depois alumiou-se muito viva, o elevador disparou na sua corrida piso acima, eles apartaram-se, ela mais chegada à saída, ele encostado nas paredes de aço.

As portas descerraram-se lentamente e ele ficou a ver afastarem-se um par de pernas com uma linha negra que desaparecía sob uma saia travada.

Gasolina
Árvore das palavras