domingo, 24 de agosto de 2008

DÉCIMO OITAVO ANDAR: GASOLINA


Divagações sobre um elevador

É tarde. Tarde do dia, daqui a nada há-de cantar a madrugada e hei-de imaginar um galo a esganiçar o pescoço. Ou aquele pássaro sempre em pânico dos Flinstones a quem depenam as horas... não sei porque carga d'água me fui lembrar disto agora... é tarde. Doem-me os pés mas valeu a pena, os saltos altos sempre farão a diferença e o resto é conversa.

(Mas onde está a porcaria do elevador???)
Quase de certeza que a coscuvilheira da frente há-de vir ao patamar... a conversa de chacha do costume, "pensava que tinham batido à porta..." Que nojo! Quando tiver dinheiro mudo-me de vez! E sem estas porcarias de elevadores que não chegam...
(Será que avariou?! Será que carreguei no botão? Não se sabe, não é?! A lampada fundiu-se e ninguém está para trocá-la!!!)
Assim que entrar no elevador descalço-me. A esta hora não vai aparecer ninguém. Caramba... parece que vou assaltar o prédio onde moro! Descalço-me logo, os pés na alcatifa... se bem que o béu-béu da velha do 3º é bem capaz de lhe ter espetado uma mija... porque é que cheira sempre a mijo neste elevador?
(Ah! Finalmente! Lá vem ele...)

Um dia destes cai, é certinho. Range que até dói. Chia. Grita. Deve ter falta de óleo... Como é que será que se põe óleo nesta caranguejola? Deve ter que se entrar lá para dentro, para o oco, isto deve ser um buraco escuro, não se deve conseguir ver para pôr o óleo, cheio de cabos e coisas que ninguém percebe, deve dar medo, o avesso do elevador... deve ter, tudo o que se vê por fora tem um avesso, este também tem que ter. E deve estar mal pelos berros que dá, aquelas cordas e roldanas e parafusos a moerem-no todo por dentro e nós aqui sempre a pedir mais, puxa para cima, vai para baixo, aguenta, só mais um peso, é só um piano... Será que os elevadores têm venetas? Quer dizer... temperamentos, se calhar até coração, "o coração do elevador está doente, Meus Senhores", eheheh, "talvez um transplante!"... As parvoíces que uma pessoa não diz quando está cansada...
(Ei-lo. Ah! Entrar e descalçar-me! E agora vamos para casa, tenho sono, é tarde)

Botão.

Magia.

Upa.

(Só me faltava esta... não se mexe. Vá lá! Vá lá! Se desceste, também sobes!)

Nada. Está morto. De cansaço. Como eu. Descalça-te elevador, é tarde.
Vou pelas escadas, a cusca nem há-de saber...
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assina (texto e desenho a carvão): Gasolina
Blogue: "ÁRVORE das PALAVRAS" http://palavrasnaarvore.blogspot.com/


sexta-feira, 15 de agosto de 2008

PARAGEM OBRIGATÓRIA

Parece não ter ficado muito claro, mas o tema obrigatório deste blogue é o ELEVADOR.
Como se diz na apresentação, aqui ao lado: "Este blogue antológico sobre o tema “Elevador” foi sugerido por um conto de Ana Paula, (...)". Só serão publicados, portanto, textos que respeitem esse tema.
Três será, igualmente, o número máximo de textos a publicar assinados por cada autor, por forma a não desiquilibrar demasiado a contribuição de todos.
Este "Elevador" continua em andamento, depois desta paragem obigatória.
Obrigado e bons trabalhos, que tenham a ver com elevadores.

DÉCIMO SÉTIMO ANDAR: MATESO, OPUS 3

Um jantar
Mam’selle “poulette à la crème rouge” retorcia-se na travessa aquecida. Rodeavam-na pequenas batatinhas salpicadas e espargos gratinados. A cor dourada, o vermelho, mais o verde, davam-lhe aquele ar apetitoso que faz a saliva brotar sob a língua. As batatinhas estremeciam aos pontapés dos cotos bem tostadinhos. Os espargos, moles por natureza, nem despegavam do seu sítio. Sabiam-se inexcedíveis ao toque e gostosos no degustar. Para quê incomodarem-se? Que a comum da poulette fizesse algazarra, estava-lhe na capoeira do sangue. E no pequeno elevador, da cozinha para a copa, que antecedia a enorme sala de jantar, lá subiram eles aos solavancos, porque o dito cujo, estava assim, a modos que, enferrujado dada a falta de uso. Não é todos os dias que se servem jantares para tantos convivas.” La poulette” de peito bem recheado a lembrar o colo alto e anafado de uma prima-dona, motivada pela sua magistral beleza gastronómica, passa invejável por entre os dedos que lhe suportam o leito, melhor a travessa onde repousava lânguida e tostada. O sacolejar fazia-a sentir-se ligeiramente suada, porém, assim que respirou um pouco do ar de múltiplos odores, sentiu-se logo fresca e apetitosa. Depois é “très chic” subir de elevador até ao primeiro andar, embora estivesse um pouco demodé, mas também quem é que sabia? As outras primas poulettes que se perfilavam na mesa ordenadas de acordo com o estrato social, sentiam, também, aquele frenesim que precede a expectativa, pois que, tal como ela, iriam subir pelo velho elevador para logo serem levadas pelos criados de libré. Um desfile digno de registo. Recorda, a cozinha bem atarefada de mesa comprida, panelas luzidias, fogão crepitante e facas, muitas, compridas, largas e afiadas. Depois Tia Rosinha gorda, gordinha de grande avental branco e chapéu pregueado, redondo e alvo. O olhar de manteiga, braços de derriço, as mãos de artista que de uma simples poulette da capoeira fazia a melhor iguaria digna de honrar a mesa dos “Messieurs de Souzelas.” Mas, mais ainda do que a cozinha, ela “la poulette à la crème rouge” recordava-se sobretudo do misto de sentimentos que a alagara, ao saber, que iria viajar no velho elevador da cozinha até à copa. Havia anos que o pobre fora esquecido, pois que a cozinha passara a ser quase museu de tachos e panelões lustrosos de cobre pendurados. Um espaço novo e moderno fora instalado no andar de cima, passando a velha cozinha para as calendas gregas. Porém, naquela mesmíssima noite, a tradição tomara o seu lugar há já muito perdido, e começando pela antiga cozinha e respectivo elevador, tudo se pusera a funcionar com uma quase perfeição de locomotiva bem oleada. Porque isto é assim, casa que se preze tem elevador da cozinha para a copa e vice-versa. Os criados, criaturas de Deus, há muito que se tinham desabituado, de acordo com a evolução da espécie, das subidas e descidas até ao primeiro andar. Fora pois, lá pelos idos de 1889 que D. Antão de Souzelas mandara instalar o elevador, não para evitar o esmoer físico dos seus retesados serviçais, mas antes, pelo simples facto, de detestar comida fria, e não havendo outro modo de a conservar bem quente, senão por este processo, dada a lonjura da cozinha para a sala de jantar, aquiescera na compra e instalação de tão moderno artefacto. Não fora a excessiva elaboração de um brasão esmaltado que roubava toda a atenção, senão alento, aos que chegavam de novo, relegando para segundo plano, o “dernier cri” do casarão. Não fora por este excesso, a preciosidade mecânica teria tido toda a admiração própria dos pacóvios de província, por sinal dignos frequentadores dos salões da casa. Bem instalado no vão das escadarias que circulavam entre a cozinha e o nobre primeiro andar, o elevador desaguava numa copa bem guarnecida de serviços de vidros, baixelas e demais parafernália, ligando por meio de um arco abobadado, vestido de pesados reposteiros de veludo mel, ao digníssimo salão de degustação, alegoricamente decorado de tapeçarias e pinturas de mestres. Mas, retomando o nosso elevador, nosso como quem diz, de “Mam’selle la poulette à la crème rouge,” que por aquelas alturas já ocupara o lugar central numa simetria perfeita, na grande mesa coberta de alvo linho. Varria-a uma excitação, era uma viagem única, quase uma aventura da cozinha para a copa. Entre o sacolejar, vai que não vai de uma subida, um arredondar de ruídos, um afogar de guinchos, um retesar de cabos e finalmente uma paragem brusca, eis que chegou ao destino. Abriu-se a portinhola de madeira e mãos enluvadas retiraram a bela da travessa totalmente decorada ao claro gosto da sábia Tia Rosinha A arte nascia-lhe sob os dedos assim que pressentia repastos fidalgos, e hoje as cores tinham-se vestido de verde e vermelho numa orgia de odores apetecíveis. Mam’selle sentia-se inchada, não se percebia se era da forma, se antes da importância, que lhe servia de mote. Assim ufana, revestida de uma vaidade dourada como o tostado da sua pele, a galinha passa em revista todas as outras frangas que se dispunham pela mesa. A mania das importâncias que lhe pulsava sob a pele estaladiça tornava-a semelhante a uma daquelas tias de nariz empertigado, voz rouca e cérebro quase vazio, mas de aparência fabulosa, assim era Mam’selle la poulette. À excitação da subida juntava-se-lhe o orgulho tolo da importância. Sentia-se tão magnífica que se esquecera que em breve seria trinchada, fatiada, mastigada e engolida. Depois cairia no esquecimento. Mas que importava isso. Feliz, Mam’selle suspirava regozijada. Depois dos preliminares comuns ao cerimonial de uma refeição de libré, a sua vez chegou. Não tugiu nem mugiu, apenas se sentiu esvaziada de carnes, delapidada de articulações, enfim comida. Saciados os humores estomacais dos ilustríssimos convivas, de novo as librés inclinaram-se recolhendo as vitualhas, que em forma de ossos pululavam as travessas. Despidas de encanto, com um ar bastante descomposto, aqueles mais os restos de todas as poulettes, desceram da copa para a cozinha no velho elevador que cansado resfolegava na descida. O dia fora-lhe pesado, e nem o óleo nas juntas lhe mitigavam o esfalfamento daquele dia. As mazelas da idade se bem que disfarçadas, chegada a hora da verdade rangiam por tudo quanto era sitio, no caso, em tudo que era porca, roldana ou cabo. Os criados exaustos retiravam as travessas descuidadamente do cubículo, e despejavam os restos num grande panelão. Entre os sobejos da travessa maior, uma pele tisnada sobressaía, colada ao fundo, como se a pobre tivesse deixado incólume o invólucro para futuras receitas de tisnado. Um guia culinário digno de uma escrita à la mode como é de praxe nestas andanças.
E assim findou um jantar de poulettes e um velho elevador que embora caquéctico ainda cumpriu as suas funções. Na vida fugaz de todos nós, um pouco de óleo e de pele tisnada, por vezes, são capas coloridas de belas recordações!....

assina: Maria Teresa de mateso

terça-feira, 12 de agosto de 2008

DÉCIMO SEXTO ANDAR: ANA EUFRÁZIO


POR UM FIO

Estava com a cabeça erguida olhando as luzes insistentemente acenderem 5, 4, 3... Até que, diante de mim, a porta se abriu . Saíram umas três pessoas. Por fim entrei.

Quando estava quase terminando fechar, uma senhora adentrou, parecia muito atrasada, conseguiu por pouco. Junto com ela um perfume fortíssimo invadiu com o lugar. Somente quando estava ao meu lado, notei o decote, daqueles em “V”, de vai que é tua... E os seios... Pareciam desafiar a lei da gravidade. Procurei sentir um cheiro de fêmea não consegui, o perfume era tão forte que ardiam as narinas. Bobagem! Quem presta atenção em perfume forte, com dois sonhos de padaria, um ao lado do outro, unidos por um sutiã, ínfimo, um, ou dois números menor. A peça deveria estar pequena, unia os seios e expelia a aureola para fora, dava pra ver por entre a transparência da blusa uma florzinha surgindo timidamente de dentro da meias-taças, que eu as beberia inteiras. Tinha-se a sensação de que as duas gérberas sufocavam, de tão juntas que estavam. Observando de cima notava-se uma linha quase que imaginária os separando.
Só então que percebi que não estávamos sozinhos. Uma senhora, com um jeito de casta. Sabe aquelas mulheres com jeito de quem nunca se masturbou? Pois é... Uma criatura dessas nos fazia companhia. Olhe-ia por instante e pensei... E se eu enfiasse a minha língua no seu ouvido, ou se delicadamente, por baixo da saia, acariciasse a sua vulva? Poderia quem sabe apenas dizer meia dúzia de palavras pornográficas. Será que conseguiria despertar a fera escondida na pele de cordeiro? Acho que ela teria um orgasmo ali mesmo, na frente de todos nós, e sairia dissimulando uma asma, um desmaio, sei lá, um susto talvez. Acho que a celibatária penetrou o meu âmago, vasculhou todo o meu íntimo e acabou por perceber toda a sacanagem que permeava meus pensamentos. Olhou-me de um jeito! Abraçou fortemente a bolsa, procurava proteção.
A porta abriu e entrou um sujeito, um tipo garotão... O narcisista, não percebeu os seios fartos saltando do decote, a mulher casta e nem um nanico com cara de tarado que estava ao meu lado. O pintor de rodapé entrou bípede e saiu equilibrando-se, desajeitadamente, num tripé. Enquanto eu encarava discretamente, ele babava cinicamente observavando o monte pascoal. Enfim o garotão, reservatório de testosterona, e o anão nos deixaram as sós. Ou quase a sós, restava ainda a puritana. Imediatamente pensei... Se ficássemos as sós, eu e a gostosona, rasgaria o seu sutiã, morderia seus mamilos, morderia seu pescoço, a faria ter uns três orgasmos, no mínimo. Sairíamos daqui direto para um motel.
Quinto. Entra uma ninfa. Pela madrugada! Uma coisa! Dois peitinhos! Pareciam dois limões verdinhos recém brotados. Aquele cheiro pueril, de meninas de treze, catorze, quinze anos. Sexto. Tinha ainda quadris estreitos, quase infantis, mas uma bundinha desafiadora... Mordiscaria de leve todo aquele gluteosinho. Lá vai ela embora, que pena! Opa! Peraí, vai levando com ela a balzaquiana mal comida. Enfim sós.
O que digo? Calor? Calor, ficou louco? Aqui dentro o clima está extremamente agradável. O tempo está bom, não é mesmo? Idiota, lá fora tá caindo o maior toró. Já sei, vou convidá-la para uma apresentação teatral. Com uns seios desses! Ela não freqüenta teatro. Não. Vou convidá-la pra praia e pra o pagode no domingo. E tu vais deixar esse avião dar mole na praia? Melhor não. Vou dar xeque-mate agora mesmo.
Oitavo. Ela se apronta para sair.
É agora.
─ Vem sempre aqui?
Ela me olha espantada. Eu dou de ombros. Só mesmo um idiota cretino como eu tenta puxar conversa perguntando a uma mulher se ela costuma freqüentar elevadores.
assinado: Ana Eufrázio
anaeufrazio.blogspot.com

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

DÉCIMO QUINTO ANDAR: Daniel Sousa

Crime no escuro
Não existem crimes perfeitos. Disse-o mais do que uma vez o senhor Amaral, detective privado, vivia num andar húmido e velho da grande cidade. Quando rapaz adorava andar no elevador, numa outra casa, já desaparecida. Na sua patética imaginação de criança julgava inocentemente que o elevador era um portal para outro mundo. Quando conheceu a realidade, chorou por não ter mais no que acreditar. Quando veio a ter esperanças, chorou por não as ter mais. Os sonhos que tinha vivido, as crenças em que tinha acreditado, tudo desabou. Desacreditou no elevador logo no primeiro dia, entre tantos, em que ficou encurralado no escuro, seria normal o elevador estagnar. Mas não neste dia. O susto serviu para emendar velhas brincadeiras. Em outros tempos representava para ele, a aventura, um novo mundo por conhecer, mas quando esse mundo se tornou trevas, ele também passou a teme-lo. Nesta altura da sua infância começou a desejar ser detective, e tornou-se. Apesar da vida paupérrima que levava, conseguia o suficiente para sobreviver.
Todas as manhãs, sempre que entrava no elevador, encontrava-se com dona Maria, a velha simpática e afável do prédio, puxavam conversa atrás de conversa, até que se despediam, a porta do elevador abria e, apenas no dia seguinte, voltavam à mesma rotina.
O elevador tinha uma fraca luz, que desapareceu passado dias. A única iluminação que possuía eram os botões que guiavam os seus passageiros ao destino escolhido. Desta forma os habitantes do prédio impuseram as suas medidas para uma reforma nos condomínios. Quem não ligava a essas discussões era o senhor Amaral, que voltava a recordar o elevador da sua infância, aquele cubículo escuro e frio, a sua memória voltava atrás no tempo, aos anos em que perdera a fé na própria esperança.
Detective há uns doze anos, o senhor Amaral apenas pensava no que poderia suceder: um crime brutal, a vítima nunca conseguiria notar na cara do assassino, o escuro ocultaria a identidade, e o cadáver permaneceria naquele cubículo, até que uma das pessoas que habitavam o prédio o descobrisse. Seguia pensativo, ele, como detective, tinha uma intuição dedutiva que aprendera lendo os clássicos policiais, mas, com o tempo, descobriu que o mundo não é como nas histórias. Que treta! Diz-se que não existem crimes perfeitos, quem afirmou tal relutância nunca entrara num elevador completamente escuro, onde ninguém pode ouvir as nossas súplicas, onde ninguém alcança os nossos medos.
Quem andava sempre a protestar era o dr. Queiroz, vizinho do senhor Amaral, ultimamente andava à procura de um livro para oferecer a um amigo, poeta. Os sonetos de Shakespeare foram sugeridos pelo senhor Amaral, era um bom poeta, inglês, e bastante vendido. O suficiente para que gostasse. Poderia ter sugerido Byron, Shelley, tantos e tantos, mas foi o único que lhe ocorreu, e, depois, ele apenas devorava incansavelmente os policiais, isso sim, era literatura, era doentio pelo crime. Mas ultimamente andava deprimido e com períodos de terrível amnésia. Combatera o medo por elevadores frequentando um psicólogo que o acompanhava, ao entrar num elevador escuro, como era o caso daquele prédio, perdia a noção da vida e da morte, da ficção e da realidade, havia quem sugerisse que o detective era louco, mas todos os génios o são! Repelia sempre o elevador, e planeava um possível homicídio. Durante dias era esse o pensamento do senhor Amaral. Até que a senhora Maria aparece morta, assassinada, dentro do cubículo escuro e frio que é o elevador! Levara uma pancada forte na cabeça que lhe provocou a morte. Um livro, segundo disse a polícia, bastante grande e pesado, três cacetadas fortes e a velha foi-se deste mundo! Agora os moradores sabiam que a luz não se apagara por acaso, era o pronuncio de um homicídio, e entre eles, entre todos aqueles moradores, um deles era o assassino.

Ao perguntar se oferecera o livro ao amigo, o detective recebe a resposta directa do dr. Queiroz: o livro desapareceu, caiu-me da mala, ao chegar a casa já não o tinha! Shakespeare é sempre bom, mas desaparecera. No entanto o prédio pouco podia pensar em livros desaparecidos, um homicídio ocorrera, uma inocente, uma mulher virtuosa e bondosa fora encontrada morta, o único detective do prédio teve de actuar, contra todas as vontades da polícia que não se fiava nesses charlatães, espiões de terceira categoria.
Enquanto isso, o senhor Queiroz continuava desiludido pelo desaparecimento de um livro tão belo como aquele, talvez devesse ter optado pela poesia francesa, meditava constrangido. De repente lembrou-se de algo, o senhor Amaral seguia no mesmo elevador quando o livro desaparecera: tudo acontecera porque ele, pouco antes de sair, deixou cair o telemóvel para o andar inferior, e dera a mala ao detective, na mesma mala onde, supostamente, trazia o livro. Bem, mas o senhor Amaral nunca roubaria! Livrou-se da ideia: para quê que um detective, que apenas ama a literatura policia, e despreza por completo a poesia lírica, iria querer roubar a obra de um dos maiores nomes da literatura mundial? Com estes pensamentos abriu a porta do elevador e dirigiu-se a casa.
No dia seguinte o dr. Queiroz foi preso, o livro que fora usado para o homicídio era: Os sonetos de Shakespeare, uma edição recente, num livro grande e pesado, com uma lombada, grossa o suficiente para provocar a morte a uma velha frágil e despreocupada. Ele dissera que o livro tinha desaparecido pois esquecera-se dele no local do crime, e contra todas as circunstâncias pretendia lançar as culpas ao senhor Amaral, detective, agora respeitável. Existia o recibo da compra daquele livro em nome do dr. Queiroz, existiam testemunhas, existia o senhor Amaral!
Ninguém podia acreditar no que ouvia, mas assim era, ninguém é prefeito, todos temos os nossos demónios.
O senhor Amaral voltava a recordar que nenhum crime é perfeito, ninguém sai impune de um homicídio. Voltou a entrar no elevador, seguindo os aplausos dos que lhe agradeciam, e naquele ambiente escuro e triste cometeu suicídio, nunca ninguém percebeu porquê, a não ser quem vira o senhor Amaral entrar no elevador juntamente com a dona Maria, pouco antes do homicídio ocorrer, porque apenas um dos dois saiu da cabine escura e triste que revelava mundos jamais conhecidos dos humanos. A partir desse dia nunca mais se voltou a falar em crime no prédio, que acabou por ser abandonado e demolido.
Assinado: daniel sousa, do blogue "
Crime no escuro"

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

DÉCIMO QUARTO ANDAR: BANDIDA


há um diálogo entre o medo e a existência pintada nos botões da subida. o teclado tomou-me pela distância e o avanço resignou-se até à asa primária do espaço onde se eleva o pensamento na sua perfeita máscara, volúvel e agradada.
não danço. - danças?

podemos morrer aqui pasmados de fadiga e todavia o canto esconde sombras. emoções civilizadas para que não se percam as penumbras.

não chove aqui. pode ser que a música levante os olhos e devagar, muito devagar, consigamos chegar ao sótão em silêncio. sem dimensões e tempos mágicos na distracção formidável da subida.
há as escadas, queres? - nada se compara à transparência do botão. - quinto?

um movimento de translação entre o pensamento e o sólido tédio que o absurdo revitaliza. meio-metro quadrado de futuro.

falta-me o ar. - danças?

finjo a fragilidade geométrica do amor. uma mesa posta, este elevador.

assina Bandida
foto de Balla Demeter.

DÉCIMO TERCEIRO ANDAR: Minucha Raposo,de Magalhães opus 3


SEGREDOS DE UM ELEVADOR

Retalhos de vida, que eu elevador assisti durante mais de 60 anos.
Poderia contar a vida de quase todos pelo pouco que via, de cada vez que em mim andavam. Podia até ter esquecido muita coisa, não fosse o espelho que dentro mim havia e esse nada esquecia.
Vi a mãe com o filho ao colo, virando-o para o espelho e perguntando – quem é a coisa mais linda da mãe? - e o pequeno ria, querendo tocar naquela imagem que não reconhecia.
Vi, também, o "pai", dando um último jeito à gravata, ou a maneira como olhava a vizinha do sétimo andar, um bom "pedaço" de mulher, que quando entrava sorria simpática e sedutoramente, olhando de seguida o espelho a confirmar a sua beleza.
Os do primeiro andar eram os mais rápidos, mal entravam já estavam de saída e muitas vezes nem me usavam, quando percebiam o tempo que demoraria a chegar, galgando os degraus enceradas, dois a dois.
Os do segundo, pareciam cavalos à desfilada, quando desciam, sempre atrasados, indomáveis, aqueles rapazes, oito ao todo, os pais coitados uns mouros de trabalho, nem tinham tempo para o espelho olhar.
As conversas das empregadas, quando se encontravam, vindas das compras comparando a forretissse ou o desleixo das patroas. Infindáveis as críticas que lhes faziam. No parecer delas, as patroas qualidades não tinham, mas o certo é que as não trocavam por outras.
- Viva Isabel, ao tempo que a não encontrava. Estava para ir a sua casa, pedir-lhe desculpa se por acaso amanhã lhe fizermos muito barulho. Temos um jantar grande....
- Viva Mafalda. Não se preocupe com isso, as salas são longe dos quartos, e não incomodará com certeza. Já viu que a porteira não anda a limpar a entrada?
Alguém me disse que está doente.... passa a vida doente aquela mulher! O que se lhe há-de fazer Mafalda?
- O pior, Isabel, é que tanto a Maria João do sétimo, como a Teresa do quarto, não querem saber de nada.
- Mas a Mafalda não sabe que Teresa só pensa na educação dos filhos e quando andam em correrias põe-nos a rezar o terço...
O Pedro anda sempre sozinho...eu se tivesse um marido tão bonito....não corria tantos perigos
- Ora Isabel, eles são um casal muito católico...não creio que o Pedro se interesse por outras.
Já a Mafalda andava grávida da terceira cria, e o "pai", comendo a vizinha do sétimo com os olhos, lhe perguntava se vivia sozinha, que nunca a via acompanhada. Maria João respondeu que vivia com um piloto da TAP, cujas viagens eram quase sempre de longo curso.
- Coitada, então está muitas vezes sozinha....Vou dizer à Mafalda para a convidar um dia destes, para jantar, assim terá companhia e será menos uma noite em que ficará só. Ela dizendo que sim, com sorriso trocista.
Os segredos que um elevador, antigo como eu, não guarda....
Os do segundo, já com a vida melhorada, por terem recebido a herança, por morte do pai de um deles, fora bem-vinda e ela já muito bem-vestida se mirava no espelho que lhe devolvia a imagem de uma mulher sedutora e de armas, sempre acompanhada pelo marido que não tinha olhos para mais ninguém. Os filhos já crescidos e bem comportados, não todos, que um havia que sempre andava meio entornado.
A Isabel já andava com o Pedro.
Passado uns meses o "pai" mudou-se do sexto para o sétimo andar; Mafalda com os três filhos, encontrava Maria João no elevador e embora a tratasse como nada tivesse acontecido, bem se via no espelho os olhos toldados por tristeza
Os do terceiro recém-casados, foram os únicos que mudaram de casa ao fim de uns 10 anos.
Quem veio para o seu lugar, foi um casal de gays, muito mal vistos por todos e que todos criticavam e faziam troça, mas que eram pessoas encantadoras cumprimentando todos, apesar de bem saberem o que lhes ia dentro.
Foi a partir desse dia que o movimento em que eu andava, mais se fez sentir, tinham muitos amigos e a casa estava sempre cheia. As críticas cada vez mais mordazes. Até a empregada era ostracizada pelas outras.
Dois anos depois aparece David lado a lado com Mafalda. Um dia entraram os quatro no elevador.
Maria João vinha a discutir com o "pai" e calaram-se quando entraram Mafalda e David, enlaçados.
O "pai" não tirava os olhos da sua ex, pensando como poderia ter deixado escapar tão linda mulher, que nem para ele olhava, com quem sempre se tinha dado tão bem...não tivesse sido aquela paixão pela Maria João que já se evaporara....
Teresa veio a saber da ligação de Isabel com o seu Pedro e foi dentro de mim, que lhe fez frente e a avisou, que se não largasse o Pedro, iria contar tudo ao marido dela. Isabel encaixou, não sem envenenar dizendo que se não fosse com ela, com outra seria.
Assim era o meu dia-a-dia, nunca havia descanso nem monotonia.
assinado: Minucha Raposo de Magalhães http://claras-o-contestatario.blogspot.com/

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

DÉCIMO SEGUNDO ANDAR: gabriela rocha martins


-sonho a preto e branco … com elevadores

existe o sol e o luar
a sombra dos poetas e os seus reflexos ,nos sonhos?
fora ,os riscos da rotina .de viver
é necessário acordar .levantar e começar um novo dia
bocejo
9h00
- come o nosso poema ,mas lava os dentes .como medida de precaução – dizes-me ,à laia de despedida
atiro um beijo ,agarro a carteira ,pego nas chaves do carro e páro frente ao elevador .carrego um botão .a porta abre.se e fecha.se
saio .está calor .o carro não pega
vou a pé ,tropeçando em coisas e pessoas feias
10h30
subo um novo elevador .devagar. 5º andar .bom dia .sento-me à secretária .ligo o computador
sou um autómato .sou um robot .enter!
devoro palavras e risos durante o dia
18h30
desço no elevador .r/c .rua
lembro-me que não trouxe o carro e amaldiçoo as coisas e as pessoas feias
sou um autómato .sou um robot .enter!
quem distingue de mim o outro lado de mim?
3h01
em cima da cama o livro dos nossos poemas .os de hoje e os do futuro
adormeço .onde se projectam as sombras?

sonho a preto e branco
sem legendas ...

... com elevadores

assinado: gabriela rocha martins