domingo, 24 de agosto de 2008

DÉCIMO OITAVO ANDAR: GASOLINA


Divagações sobre um elevador

É tarde. Tarde do dia, daqui a nada há-de cantar a madrugada e hei-de imaginar um galo a esganiçar o pescoço. Ou aquele pássaro sempre em pânico dos Flinstones a quem depenam as horas... não sei porque carga d'água me fui lembrar disto agora... é tarde. Doem-me os pés mas valeu a pena, os saltos altos sempre farão a diferença e o resto é conversa.

(Mas onde está a porcaria do elevador???)
Quase de certeza que a coscuvilheira da frente há-de vir ao patamar... a conversa de chacha do costume, "pensava que tinham batido à porta..." Que nojo! Quando tiver dinheiro mudo-me de vez! E sem estas porcarias de elevadores que não chegam...
(Será que avariou?! Será que carreguei no botão? Não se sabe, não é?! A lampada fundiu-se e ninguém está para trocá-la!!!)
Assim que entrar no elevador descalço-me. A esta hora não vai aparecer ninguém. Caramba... parece que vou assaltar o prédio onde moro! Descalço-me logo, os pés na alcatifa... se bem que o béu-béu da velha do 3º é bem capaz de lhe ter espetado uma mija... porque é que cheira sempre a mijo neste elevador?
(Ah! Finalmente! Lá vem ele...)

Um dia destes cai, é certinho. Range que até dói. Chia. Grita. Deve ter falta de óleo... Como é que será que se põe óleo nesta caranguejola? Deve ter que se entrar lá para dentro, para o oco, isto deve ser um buraco escuro, não se deve conseguir ver para pôr o óleo, cheio de cabos e coisas que ninguém percebe, deve dar medo, o avesso do elevador... deve ter, tudo o que se vê por fora tem um avesso, este também tem que ter. E deve estar mal pelos berros que dá, aquelas cordas e roldanas e parafusos a moerem-no todo por dentro e nós aqui sempre a pedir mais, puxa para cima, vai para baixo, aguenta, só mais um peso, é só um piano... Será que os elevadores têm venetas? Quer dizer... temperamentos, se calhar até coração, "o coração do elevador está doente, Meus Senhores", eheheh, "talvez um transplante!"... As parvoíces que uma pessoa não diz quando está cansada...
(Ei-lo. Ah! Entrar e descalçar-me! E agora vamos para casa, tenho sono, é tarde)

Botão.

Magia.

Upa.

(Só me faltava esta... não se mexe. Vá lá! Vá lá! Se desceste, também sobes!)

Nada. Está morto. De cansaço. Como eu. Descalça-te elevador, é tarde.
Vou pelas escadas, a cusca nem há-de saber...
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assina (texto e desenho a carvão): Gasolina
Blogue: "ÁRVORE das PALAVRAS" http://palavrasnaarvore.blogspot.com/