quinta-feira, 24 de julho de 2008

SEXTO ANDAR: ÂNGELA MARQUES

Suspensa no Elevador

(Escuro.

Abre-se a luz sobre o palco, desenhando um quadrado de 2x2m.
No chão, está deitada uma mulher que aparenta uns 50 anos, em cima de um casaco e com uma saca de ombro ao seu lado.
Acorda lentamente, espreguiça-se, boceja.)

M - Ahhhhh.... Mais um dia. (Abre o saco e tira uma agenda que abre na página marcada com uma fita e uma caneta.) Ora, 23 de Julho de 2008... Muito bem. Uma eternidade. Bom, toca a levantar.

(Volta a guardar a agenda e a caneta e tira um saco de toilette. Levanta-se, vira-se de costas para o público, como se olhasse para um espelho.) Credo! Esta cara assusta o diabo! As olheiras estão cada vez piores... Farei o meu melhor para disfarçar este mau aspecto. (Começa a espalhar um creme pela cara, depois a base. Pinta os olhos com um lápis preto, põe o rimmel e pinta cuidadosamente os lábios. A sua postura vai sendo cada vez mais solta, sensual. Afaga o seu rosto no espelho, os lábios.)

Hummmm, estou bem melhor assim.
(Sorri.)
Gosto de mim.
(Vira-se para o público, de novo, enquanto guarda tudo na carteira.)
Vocês não gostam? Não, não é de mim que eu falo. Eu pergunto se vocês não gostam de vocês. Cada um de si, é o que quero dizer. Isso é fundamental na vida. Eu, por exemplo, se não gostasse de mim, não me tinha aguentado aqui fechada no elevador até hoje. Estou em Paris, no Quartier Latin, onde vivo há 3 anos com a minha companheira. Somos um casal feliz. Ela é jornalista e escreve. Eu sou actriz. Mas sou intermitente, trabalho a recibos verdes e nada é certo. Faço de tudo. Tanto a Ofélia, como a Cinderela nas festas dos meninos. Na pior das hipóteses ando por aí a fazer de clown à saída do metro e a encher balões junto ao Luxembourg.

(Abre de novo o saco, tira um grande nariz vermelho de palhaço e três bolas de circo. Começa a brincar com elas, atirando-as ao ar.)
Estão a rir-se? Não sei porquê!! Tenho que ocupar o meu tempo e estar sempre em forma, porque quando sair daqui a vida continua. Preciso de ganhar o meu dinheiro. Esse é o segredo da nossa relação perfeita. Eu não quero depender dela em nada. Somos de meios completamente diferentes, amamo-nos e conseguimos partilhar as nossas vidas, porque cada uma é independente da outra. Ora, para mim, pagar metade da renda da casa, da luz, água, compras é muito mais difícil. Tenho que trabalhar o dobro. E a saúde já não é o que era. Mas, verdade seja dita, quando fico doente e não posso ir trabalhar ela não me falta com nada.

(Guarda as bolas e o nariz e tira um MP3 que coloca nos ouvidos para ouvir música. Vai fazendo exercícios de aquecimento e movimenta-se com o corpo, quase dançando.)
É assim o amor. Eu não consigo retribuir, mas felizmente ela nunca adoece. É uma mulher cheia de genica, bonita, elegante. Viaja bastante e convida-me, mas eu nunca a acompanho. Não poderia suportar os custos. Já me divirto imenso quando vamos a casa dos pais dela, na Provença. Recebem-me e aceitam-me muito bem. (Com um sorriso de felicidade) Sabem que a filha é feliz comigo e isso é tudo para os pais...

(As suas feições mudam subitamente. A cara exprime uma dor profunda e os olhos brilham, cobertos de lágrimas que resistem em cair)
Eu não sei quem é o meu pai. A minha mãe era puta, e pôs-me fora de casa aos 10 anos... nunca tive coragem para ir procurá-la. Agora é tarde. E Inês é morta, como se diz. Mas isso é em Portugal.

"Ó meu túmulo e meu tálamo nupcial, ó lar cavado na rocha que me guardarás prisioneira para sempre! Para aí avanço ao encontro dos meus, de que Perséfone recebeu já o maior número entre os mortos; dentre eles restava eu, em muito a mais perversa; a caminho já vou, antes que se tivesse cumprido o destino da minha vida. Espero...."
(Durante a fala de Antígona, a luz vai baixando aos poucos, até apagar em "Espero". Ouve-se a voz off de uma mulher)
Definitivamente este texto está uma merda! A personagem ficou ali encravada no elevador e não sei que lhe fazer. Lixo com isto.
(Ouve-se o barulho de folhas de papel a serem rasgadas.)

FIM

ângela marques
23 de Julho de 2008