sexta-feira, 25 de julho de 2008

SÉTIMO ANDAR: CRISTINA SOARES

O seu nome é Vairaumati

Ela entra no elevador. Tem pressa. Fecha o gradeamento com um gesto seco. Carrega no sétimo. Ele entra no prédio. Já não vai a tempo. Dá um passo atrás. Lança-se para as escadas. Ela encosta-se ao espelho. Suspira e os olhos rolam para o desenho feito de vidros do tecto. Um rosto de contornos incompletos pelo passar do tempo. Em volta uma ramagem de flores. Parecem flores de hibisco. Semicerra os olhos. E o sol de quando tinha quinze anos escorre-lhe na pele. Uma mão que lhe afaga os cabelos. Coloca-lhe uma flor. Vermelha. Pareces um quadro de Gauguin. Sente o sorriso rasgar-se nos olhos. Ele galga os degraus de dois em dois. O elevador passa por ele. Ruído surdo dos cabos. As escadas que sobem contornando a caixa do elevador. O som dos passos dele é abafado pelo ruído surdo dos cabos. Primeiro andar. Há uma mulher que varre o patamar. Na penumbra. Sem rosto. Para só para o olhar. Ele não a vê. A mulher cumprimentou-o. Ele não. Segundo andar. Ela volta-se. Olha-se no espelho. Os olhos grandes e negros rasgam a sua imagem. Humedece os lábios. O sabor amargo do café. O rosto esquecido por entre as mãos. O livro aberto na mesa. A brisa da manhã agita-lhe as páginas docemente. Há um homem na mesa do lado. Que a observa. Esse homem tem um pedaço de grafite na mão. Um pequeno caderno na mesa. Ela sente o homem por cima do ombro. Não o vê. A manhã corre mais rápida que o tempo. As pessoas passam devagar. As mãos dele correm rápidas e secas sobre o papel. Terceiro andar. A luz do candeeiro é ténue. As portas são vultos ténues de contorno curvo. O elevador passa por ele de novo. A luz do elevador revela o gradeamento gracioso do corrimão. Por um instante. Ele acelera o passo. Quarto andar. Ela aperta o pequeno livro contra o peito. Suspira. Sente o abraço. A voz que lhe murmura encostada à flor que tem no cabelo. Cheiras como um quadro de Gauguin. O cheiro da pele dele que lhe humedece a boca. Suspira. Quinto andar. Ele respira fundo, com mão crispada no corrimão. O som dos cabos abafa-lhe o respirar pesado. Há um homem que sai. Fecha a porta. Quatro voltas da chave. Ele retoma a subida. O homem que saiu carrega no botão para chamar o elevador. Solta um suspiro irritado. Tem de esperar que desça. Dois degraus de cada vez. Sexto andar. Ela atira o pescoço para trás. Ainda lhe sente os olhos beijando-lhe os contornos. O som ríspido da grafite no papel áspero. Traços e gestos nervosos. O sabor amargo do café. Ela levanta-se impaciente. Ele não vem. Ele esqueceu-se mais uma vez. Corre para casa. O som de passos por cima do ombro. O desapontamento é quente e húmido nos seus olhos grandes. Corre para casa. Ele não veio. O elevador pára. Ela abre a porta de olhos cravados no chão. Pára. Procura as chaves na mala. A luz da clarabóia é quente. Atrás de si, passos apressados. Espere! Ela gira sobre si. O homem do café sorri ofegante. Espere. A mão que segura a chave suspensa no ar. Tenho que de lhe dizer uma coisa. Estende-lhe uma folha pequena. O seu rosto a grafite. Uma flor de hibisco no cabelo. Ela suspende a respiração. A luz da clarabóia inunda os olhos dele. Tinha que lhe dizer isto. Os olhos dele diluem-se nos dela. Tinha que lhe dizer que parece mesmo um quadro de Gauguin.

Cristina Soares
24 de Julho de 2008